O Comitê de Desatribuição do Oscar se reúne para decidir que estatuetas serão tomadas de volta por descumprir, retroativamente, as regras artísticas de concessão da maior honraria do cinema.
– Vamos lá. “Rain Man”.
– Fica com a estatueta. 50% dos dois protagonistas são autistas, grupo sub-representado.
– Mas ambos são machos brancos héteros. E não consta aqui que as figuras principais dos bastidores sejam mulheres, LGBTQs ou pessoas com deficiência.
– Ok, tira a estatueta.
– “Conduzindo Miss Daisy”.
– Fica, total. Protagonistas são uma mulher e um afroamericano! 100% de protagonismo para grupos sub-representados!
– Uma mulher hétero, da oligarquia dominante e um afroamericano em situação de desvantagem social, em posição subalterna. Sem chance.
– Ok, tira a estatueta.
– “O silêncio dos inocentes”. Psicopata é grupo historicamente desfavorecido, não?
– Sim, e mulher no FBI também.
– Mas o psicopata faz bullying da agente Starling, e a caipirofobia deve ser combatida.
– Sem contar que o vice-psicopata arrancava, literalmente, o couro das mulheres.
– Toma a estatueta de volta e ainda paga multa.
– “Lista de Schindler”. Até que enfim uma que fica!
– Um alemão, sem lugar de fala, que rouba o protagonismo dos judeus? Nem que a vaca cacareje em iídiche!
– “Forrest Gump”. Vamos deixar “Forrest Gump”, por favor.
– Filme dirigido por macho, com roteiro de macho, baseado em livro de macho, estrelado por macho. Preciso dizer mais alguma coisa?
– “Coração Valente”. Ops, foi maus. Tem Mel Gibson. Nem se todo o elenco de apoio fosse de aborígenes albinos canhotos com sobrepeso daria para salvar. Temos que tomar a estatueta, a caixa e a flanelinha. Pulemos para “Titanic”. Caso complexo…
– É um filme do bem. Representa o naufrágio do capitalismo. Traz à tona a luta de classes. E o macho morre no final.
– Mas a mocinha sobreviver agarrada a um pedaço de pau… Sei não. Achei uma metáfora muito infeliz. Teria sido lindo todas as passageiras sobrevivendo de mãos dadas, numa ciranda aquática sob a Aurora Boreal.
– Sem contar que a mocinha era uma aristocrata entediada. A joia que ela jogou ao mar, com o risco de ser engolida por uma leoa marinha, poderia ter sido usada para angariar fundos para o #metoo. Sororidade zero.
– “Gladiador”…
– Devolve.
– “Amadeus”..
– Devolve.
– “Rocky, um lutador”…
– Tu tá de sacanagem comigo, né?
– Sorry. “O poderoso chefão”.
– Máfia é minoria?
– Na Alerj, não.
– Estamos falando em Hollywood. Porque aqui a gente tem que ponderar. São imigrantes, e imigrante conta ponto.
– Mas imigrante macho e branco.
– Macho, branco e pobre.
– Que ficou rico…
– Mas o Dom Corleone tinha uma deficiência física na bochecha, lembra?
– E o Al Pacino era baixinho. Galã baixinho é minoria.
– Vamos deixar “O poderoso chefão” em análise.
– “West side story”. Minorias étnicas e working class desafiando os padrões impostos pela sociedade burguesa estadunidense!
– O casal principal era hétero.
– Mas a mocinha era latina!
– E foi se interessar por um branco? Palmiteiras não passarão!
– “Asas”, será que passa?
– “Asas”?
– Oscar de 1929. Primeira edição. Estrelado pela Clara Bow. Tem superação no roteiro. Ela é motorista de ambulância. Imagine, em 1929, uma mulher com carteira de motorista!
– E ela fala coisas importantes sobre a condição da mulher, discute o machismo, a estrutura falocêntrica do patriarcado?
– Não, até porque é um filme mudo.
– Mulher calada? Sem voz? Manda buscar a estatueta de volta. Now!
Genial, adorei!
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😂😅😅👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Enviado do meu iPad
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Não aguento sua criatividade. Acho excessiva. Muita coisa pra um homem só. Isso é correto?
Dei muitas risadas. Alegrou o fim do dia. Obrigada.
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