No início da pandemia, a Daniella me mandou um lote de máscaras, cada uma com uma estampa diferente. Tudo higienizado, esterilizado, bem embaladinho.
O uso ainda não era obrigatório, mas quis logo estrear as minhas – em especial uma, perfeita para o passeio com os cachorros, porque tinha desenhos de patas caninas.
A Daniella me conhece razoavelmente, mas devia ter se esquecido do meu perfil. Não o psicológico – o perfil literal mesmo. O narigão.
As máscaras eram do tipo peleja: se cobriam o nariz, descobriam a boca, e vice-versa. Sabe vestido de periguete? Aquele padrão.
Sob pena de parecer neurótico ou obsessivo, passei a usar duas máscaras – uma cobrindo o narigão e parte do lábio superior; outra, a boca e parte do queixo. Funcionou bem, considerando que eu não ia mesmo conversar com ninguém e respiração não chega a ser uma necessidade básica.
Consultei sobre modelos maiores. Claro que havia! E me chegou nova remessa, com máscaras de tamanho mais generoso.
Mas para um nariz como o meu, generosidade não basta. É preciso desperdício.
As pautas identitárias conseguiram que houvesse poltronas mais largas nos cinemas, teatros, auditórios e aviões, para acomodar pessoas com sobrepeso. Lojas passaram a disponibilizar roupas de modelagem compatível com índices de massa corporal pra lá de 30. Mas ninguém pensou nos portadores de nariz pluçaize.
Não há óculos cujas pontes não nos cavem uma vala horizontal no ponto de apoio. Não há armação com plaquetas afastadas o bastante para nossa envergadura nasal. Vale para óculos de grau, vale para os de natação. Conhece algum narigudo campeão de 800 metros cráu? Nem eu. Quando você se sentir profundamente frustrado, lembre-se do narigudo que tentou mergulhar de esnórquel.
Não há boné com aba de 20 cm. Não se vende Rinossoro em embalagem de 500 ml.
O pior é que nem somos uma minoria tão desprezível assim. Juca Chaves, Jean Paul Belmondo, Javier Bardem, Luciano Huck, Gerard Depardieu. Para não falar em Maria Bethânia, Maria Callas, Barbra Streisand e a bruxa da Branca de Neve.
Para não incomodar de novo a Daniella, acabei comprando mais algumas máscaras numa loja de artigos hospitalares. Antes, sondei quem estava fabricando máscaras caseiras (sempre é bom dar preferência ao pequeno empreendedor), mas ninguém produzia no tamanho Extra GGG Ultra Plus. O moço da loja disse que aquelas eram “oficiais”, do tipo seguro Golden Platinum, com cobertura total. Quebrei a cara.
Fabricantes de máscaras, óculos, burcas, esnórqueis, vaporizadores: pensem em nós. Claro que o gasto de material vai ser muito maior, mas somos um mercado consumidor disposto a pagar mais caro por um produto adequado à nossa pujança nasal. Se não se adaptarem – como fizeram as indústrias de cosméticos para pele negra, de biquínis manequim 54 ou de tesouras para canhotos – é porque vocês não enxergam um palmo adiante do nariz.