Duda Mind Control

Meus (meus? ok, meus) cachorros foram “adotados”, tirados da “situação de rua”.

Duda, mais morta que viva. Chico, um bebê que cabia na palma da mão, desnutrido e tomado por carrapatos. Tião, magrelo e com o pelo duro, largado num monte de brita, numa obra.

Hoje dormem em cama (comeram as caminhas que comprei para eles), se esparramam no sofá (onde, às vezes, sobra algum espaço pra mim), tomam banho de chuveiro (com um xampu mais caro que o meu). Mas continuam “de rua”. Rueiros que só.

Têm um relógio biológico que não conhece horário de verão, data de entrega de projeto, elevador em manutenção ou vendaval. Deu a hora de ir pra rua, cessa tudo que a antiga musa canta que outro valor mais alto (e com unhas afiadas) se alevanta.

É uma espécie de volta às origens. Aos postes. Aos cheiros de xixi de centenas de outros cachorros. Ao paraíso perdido.

Duda é a fêmea alfa. É ela quem puxa a matilha, quem escolhe o roteiro. Tem dia em que encasqueta de ir para a esquerda, tem dia em que nada a demove de seguir pela direita. Há de ter seus motivos – que acato, por não serem ideológicos, mas possivelmente estarem ligados ao olfato apurado. Se algo não cheirar bem, é pra lá mesmo que ela vai. Pensando bem, tem ideologia aí, sim.

O problema é que nenhum passeio é longo o suficiente para ela. Sua meta é se afastar de casa indefinidamente. Se depender dela, pegamos a Américas, a Linha Amarela, a Washington Luís, a 040 e não paramos antes do km 2000 da Belém-Brasília.

Ao mais leve indício de que eu possa estar iniciando um procedimento de retorno, ela trava. Crava as patas no chão e ergue aqueles olhos súplices de “Mas já?” – estejamos andando há 15 minutos ou há hora e meia, debaixo de chuva ou de sol implacável.

Não sei que GPS ela usa, mas é infalível. Independentemente do caminho – e eu vario sempre o caminho – basta embicar num sentido que lhe evoque a sensação de “volta” e ela liga a seta na direção contrária. Não adianta tentar a manobra da curva suave à esquerda fingindo rumar para o parcão, ou o artifício de uma falsa guinada na direção da praça, ainda fechada por causa da pandemia, onde ela gostava de correr na areia.

Ela me conhece. A alma humana, para ela, não é nenhum abismo: é óbvia como um comprimido “disfarçado” na comida, um cafuné a caminho do banheiro onde ela já farejou o maldito xampu no box.

Não pode ser só instinto ou psicologia aplicada. Suponho que haja telepatia envolvida.

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5 comentários em “Duda Mind Control

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