– Se já estão todas, todos e todes aí, podemos dar início a esta reunião extraordinária do Patrimônio Histórico e Cultural para decidir sobre os monumentos que merecem permanecer nos espaços públicos, os que vão para a reserva técnica dos museus e os que podem ser fundidos para fabricação de tampa de bueiro. Deixa eu ver minha lista aqui. Hmmm… estátua equestre de Pedro I, na praça Tiradentes.
– Misógino, macho tóxico e abandonou afetivamente os filhos.
– Bueiro?
– Bueiro. Mas podemos deixar o cavalo.
– Ok, a estátua equestre vira uma estátua equina. Estátua de Pedro II, na Quinta da Boa Vista.
– Escravocrata, gordofóbico…
– Gordofóbico?
– Já viu fotos da imperatriz, que ele trocou pela esbelta Condessa de Barral? Gordofobia raiz.
– Bueiro?
– Bueiro.
– Já que estamos na família imperial, temos a Princesa Isabel na avenida dela mesma. Essa fica, não é? Afinal, é mulher e…
– Sem chance. Vivia cercada de mucamas e se referia a uma de suas escravas, chamada Marta, como “negrinha de quarto”. Bueiro. E na Abolição, para aprender.
– Ok. Tiradentes, na Primeiro de Março, em frente ao palácio dele mesmo.
– Escravocrata. Perguntem pro Laurentino Gomes. Bueiro.
– Será que não vai escapar nem o Machado de Assis, ali em frente da Academia Brasileira de Letras?
– Nem pensar. Machado nunca assumiu sua negritude. Seus protagonistas são todos brancos. Capitu era quilombola? Brás Cubas era afrodescendente? Ele só tinha olhos para a burguesia da Rua do Ouvidor. Bueiro, e bem longe do Cosme Velho.
– Gente, vai faltar bueiro nesta cidade para tanta tampa! Para poupar tempo, melhor mandar fundir todas as estátuas de personalidades do século 19 para trás, não acham?
– Claro que não. Tem Zumbi dos Palmares, ali na Presidente Vargas. Essa fica.
– Mas Zumbi não tinha escravos? O Leandro Narloch levanta essa questão e….
– Nossa, quase quatro da tarde! Desculpe, mas marquei manicure e com essa demanda represada da pandemia, não posso me atrasar. Semana que vem a gente retoma, tá? E podemos começar pelo Drummond, ali no calçadão de Copacabana.
– Ah, tão bom passar pela orla e encontrá-lo ali, no meio do caminho…
– Esquece. Ele colaborou com o Estado Novo. Fascista.
– Bueiro?
-Bueiro. Fui!