Crescei e promblematizai

simpsons

Confira a coluna de hoje n’O Globo:

Crescei e problematizai


 

Tudo começou nos anos 70, quando fomos alertados para a ideologia imperialista que nos ia fazendo a cabeça enquanto líamos, inocentemente, os gibis do Walt Disney.

Na década seguinte veio a psicanálise dos contos de fadas, e a revelação de que Chapeuzinho Vermelho se deixara seduzir pelo Lobo Mau por causa do desejo inconsciente pelo pai.

Mesmo tão escolados, levamos 30 anos para descobrir que os Simpsons não são uma linda e amarela família disfuncional como outra qualquer, formada por um macho ômega, estúpido em grau máximo, e uma fêmea centrada, pais de um menino irresponsável, uma menina disruptiva e uma bebezinha que, quando começar a falar, só trará verdades.

Marge usa um colar vermelho (mesma cor erótica do chapéu da Chapeuzinho e da gota de sangue da Bela Adormecida), e ele é sua coleira simbólica. Completando o kit machismo, veste sempre um insinuante tomara que caia — perdão, um “vestido sem alça” — que é o assédio sexual em forma de roupa.

Aprendemos a ser gordofóbicos lendo “Bolota”. A discriminar quem tenha transtorno compulsivo ao folhear “Brotoeja”. A desdenhar das idosas com as trapalhadas da Madame Min. A nos desinteressar sexualmente pelas mulheres de cabelos brancos por causa da Bruxa do 71.

As novelas não têm feito outra coisa senão reafirmar a maléfica natureza feminina — repare que os vilões podem até ser maus, mas as vilãs são péssimas. Aí estão Perpétua, Carminha, Nazaré Tedesco, Odete Roitman e Paola Bracho que não me deixam mentir.

Já problematizamos o criado mudo. O próximo há de ser o armário. Afinal, armário é onde se guarda arma, não roupa ou panela. Não demora, uma fábrica progressista de móveis modulados lançará campanha publicitária abrindo nossos olhos para o fato de o armário da cozinha e o armário embutido não serem mais que propaganda armamentista disfarçada de compensado e MDF.

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Enquanto o mundo cancela partidas de futebol e festivais de rock, fecha escolas e fronteiras para conter um vírus, aqui a gente continua discutindo se uma psicopata pode receber um abraço, se macho branco hétero pode dirigir série sobre mulher preta lésbica e, como diz o meme, não mais procurando cabelo em ovo, mas já fazendo progressiva e balaiagem nele.

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