O terraplanismo, quando comprovado, implicará muito mais mudanças do que se imagina. É bom a gente já ir se preparando.
Expressões consagradas, como “o mundo dá voltas”, terão que ser abolidas: o mundo não dá voltas. Ele fica parado. Teremos que arrumar outra metáfora para as voltas que o mundo dá.
“O mundo gira e a Lusitana roda” também terá que ser trocado – talvez por “O mundo fica estático, mas a Lusitana eppur si muove”, ou algo assim.
Estar redondamente enganado passará a ser estar certo. Errado pra valer será quem estiver planamente enganado.
As imagens de Nossa Senhora ficarão mais seguras pisando numa superfície horizontal, em vez de se equilibrar em cima de um globo.
Os japoneses não serão mais nossos antípodas, porque estaremos todos do mesmo lado do planeta – o único lado, por sinal.
Livros serão reescritos. “Viagem ao centro da Terra”, do Júlio Verne, será lobatizado: Axel, Hans e o professor Otto viajarão até “um pouco abaixo da superfície da Terra”, e olhe lá. Se avançarem mais, caem no vácuo.
As novas edições de “Mensagem”, do Fernando Pessoa trarão “E viu-se a Terra inteira, de repente / surgir, plana, do azul profundo”. Perde-se em métrica, mas ganha-se em rigor científico.
A Rede Globo mudará o nome fantasia para Rede Plana. Atores planais darão declarações ao jornal O Plano contra a planalização e o aquecimento planal.
Empresas de terraplanagem irão à falência, porque seus serviços não serão mais necessários.
Haverá demissões em massa na NASA, enfim desmascarada. Em compensação, os estúdios Disney poderão contratar excelentes profissionais de computação gráfica e efeitos especiais. Sem contar que o desemprego vai cair, porque hão de surgir vagas para vigia da borda (aquele pessoal que fica no topo das geleiras, não deixando ninguém se aproximar) e para equipe de manutenção do domo (alguém tem que tirar o mofo que, com certeza, dá nesta estufa, bem como lubrificar as roldanas que fazem girar o sol e a lua).
Acabará essa lorota de fuso horário. Não haverá mais aquele privilégio de “Já é 2020 na Austrália” enquanto aqui a gente ainda tá procurando a cueca vermelha que vai usar no reveiôn. Com a Terra plana, 2020 chega junto pra todo mundo.
Não vai haver mais jetilegue, essa frescura de gente rica que chega do exterior reclamando (de barriga cheia e mala abarrotada de tralha de frixope) que está “com o relógio biológico atrasado / adiantado”. Se a Terra é plana, não dá pra ser dia num lugar e noite em outro, nem sair às 6, viajar 8 horas e chegar às 7. Vamos ter que aprender aritmética, talquêi?
E a melhor parte é que nas próximas eleições o TSE não terá mais a desculpa esfarrapada de esperar encerrar a votação no Acre para começar a contar os votos. Quando derem seis da tarde aqui, também serão seis da tarde lá. Aí para tudo e seja o que Deus quiser.
Eu costumo falar que algumas coisas são cíclicas, que não é à toa que o mundo é redondo…, vou ter que pensar em novo argumento, ou não…
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