Comecei a ler “Maria Claire” por causa de um problema médico.
Estava na sala de espera, o médico atrasou, eu já tinha folheado todas as “Caras” e só me restavam a “Marie Claire” ou olhar para o teto.
Fiz a escolha certa, depois de verificar que o teto era de gesso liso, sem sanca, rasgo, moldura ou tabica, com pintura látex PVA branco neve e luminárias de embutir.
Tenho TOC com erro de português – culpa do avô cruciverbalista, que me corrigia o vernáculo desde quando eu ainda era analfabeto. Com uma “Marie Claire” nas mãos, a pessoa que, como eu, padece de pedantismo gramatical morre de tudo, menos de tédio.
Quanto mais erros encontrava, mais interessante ficava a leitura. Deu dó largar a revista quando a recepcionista finalmente me chamou, meia hora e dezenas de erros depois.
Pensei em fazer uma assinatura, mas meu plano de saúde não tem limite de consultas, e saía mais em conta ir ao endócrino a cada 15 dias, fingindo ver se o colesterol tinha ou não entrado nos eixos. Descobri que posso ler algumas matérias pela internet, e agora me divirto em casa mesmo, sem a recepcionista achar que sou hipocondríaco.
Hoje, por exemplo, encontrei uma reportagem esclarecendo o caso dos “11 bacuraus” –treta que rolou no tuíter esta semana, envolvendo um jornalista que, supostamente, teria levado a mulher e as dez namoradas para ver o filme “Bacurau” (sem nenhuma delas saber da existência das demais).
“Esse número são as que a gente sabe, pois certeza que tem mais, as que nunca se pronunciaram e nem vão.”
Sim, quem escreveu isso foi uma jornalista. Fosse um jogo dos sete erros, faltariam dois – ou eu é que não procurei direito. Mas cinco – “esse número são”, “pois certeza”, “tem mais”, vírgula no lugar de ponto ou ponto e vírgula, “e nem” – até que não está nada mau.
“Durante a viagem, mantivemos contato durante a semana inteira.”
Dois “durantes” em nove palavras (incluindo artigos definidos). Podia ser pior.
“Não queria mais olhar para a cara dele, o questionei se haviam mais mulheres.”
Ponto e vírgula, por que nos abandonastes?
Até quando, pronome oblíquo, abusareis da nossa paciência?
Oh, se as gramáticas falassem, quantas vezes haviam de dizer que o verbo “haver”, no sentido de existir, é impessoal?
“O que ele não esperava é que íamos nos juntar”.
Subjuntivo, onde estás que não respondes?
“Algumas pessoas ficam me chama de corna.”
Sim, o pedantismo gramatical, quando em estágio avançado, inclui também erros de digitação.
“Foi nos tirado o direto de decidir.”
A única regra inteligível do hífen é a que diz que é usado para ligar o pronome oblíquo átono ao verbo – e nem essa a pessoa acerta.
“Descobri que era casado através de uma amiga.”
Como alguém se casa através de uma amiga? A amiga faz a intermediação, como nos casamentos arranjados?
“Nos agregamos uma nas outras.”
Sororidade é bom, mas tem limite.
Descontada a vontade de pegar uma caneta vermelha e ir sublinhando a tela do computador, o artigo valeu para esclarecer a história do don juan da esquerda. Posso retornar ao passatempo anterior: a biografia do Alexandre Frota. Já gastei duas bics sublinhando os erros – e ainda nem cheguei à página 130.
Em tempo: pedantismo gramatical não tem cura. A persistirem os sintomas, um livro dos sermões do Padre Vieira deverá ser consultado.
Pedantismo gramatical deve ser uma síndrome inventada por alguém que faltou às aulas de português e, para se sentir melhor, criou um mecanismo de defesa ao avesso.
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Fiquei com medo de comentar e me submeter ao pelotão da Bic. Mas, gostei, sou assim também, implico com os erros sem ser um conhecedor da última flor do lascio inculta e bela. Um abraço e bom ano novo.
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