Uma nave israelense pode ter, sem querer, iniciado a colonização da Lua. Não por humanos, mas por tardígrados, seres mais resistentes que o Gilmar Mendes em relação à Lava Jato.
Eles sobrevivem a um calor cuiabano de 150 graus Celsius e à friaca curitibana do zero absoluto. Quando desidratados, reduzem o metabolismo a 0,01% da taxa normal – e podem ficar assim por décadas, num estado de animação suspensa, se fazendo de mortos mas vivinhos da silva. Tipo assim a Graça Foster, o Aloízio Mercadante, o Mangabeira Unger, a Erenice Guerra.
Pode ser que, em algum momento, um meteorito contendo partículas de gelo resolva despencar perto de onde a nave israelense se acidentou, liberando um fiapo de umidade que os reidrate e ressuscite.
Eles vão se espreguiçar, assuntar o ambiente, procurar alguém para acasalar e em um milhão de anos, os tardígrados terão povoado a Lua. E evoluído.
Começarão a andar sobre quatro patas, liberando as outras quatro para fazer malabarismo e se comunicar através de mímica. Ganharão um mindinho opositor. Inventarão o fogo e descobrirão a roda (sim, a roda será descoberta nos fósseis da nave israelense ou nas marcas deixadas pelo trem de pouso da Apolo XI, e não precisará ser inventada, o que acelerará bastante a evolução).
Desenvolverão mitos sobre sua origem divina, escreverão em blocos de argila a história de seres extralunares e alienígenas do passado. Construirão pirâmides em forma de cone (geometria não será o forte deles), travarão guerras sangrentas (ou pelo menos gosmentas) por causa de deuses que eles mesmos inventaram. Construirão máquinas a vácuo (vapor, na lua, só nos papiros de ficção científica), que levarão a uma revolução industrial. Durante a corrida armamentista (tardígrados progressistas x tardígrados reacionários), disputarão para ver (“ver” é modo de dizer, porque eles não têm olhos) quem chega primeiro à Terra.
A nave tardígrada pousará num planeta deserto. Seus habitantes – que não acreditaram no aquecimento global, porque continuava fazendo frio no inverno – morreram esturricados. Os mares, lagos, rios – e até as piscinas de borda infinita dos novos-ricos – evaporaram, revelando, no fundo do oceano, as ruínas de Atlântida.
Foi lá que o primeiro astronauta invertebrado lunar cravou sua bandeira e declarou ser aquilo um microscópico passo para um tardígrado e um pulo de um centímetro para a tardigridade.
O retorno da missão Artrópode XI só não foi triunfal porque uma onda conservadora varria a Lua, provocando intensa polarização. De um lado, os “Make Moon great again” e os “Mar da Tranquilidade acima de tudo, deus dos onicóforos acima de todos”; do outro, os “#MeToo” e os “Ninguém solta a garra de ninguém”.
As tardígradas lacradoras passaram a não depilar mais as patas e a ter cintura fina, para não se submeter aos padrões estéticos impostos pela sociedade, que valorizava seres roliços e rechonchudos. Os machos da espécie, por sua vez, houveram por bem se vestir de cor de rosa, tatuar fênix no cóccix para superar um pé na bunda e se chamar de “companheire tardígrade”.
No outro polo (da Lua e da ideologia), tardígradas e tardígrados conservadores começaram a acreditar na teoria da Lua plana e a passar pano desesperadamente, além de atirar uns nos outros, o que os levou a desenvolver T.O.C., ter L.E.R. e receber certidão de óbito.
Ainda por cima, aderiram ao “gratidão” e ao côutchim quântico. Foi o fim da civilização lunar.
Enquanto isso, em Atlântida, um tardígrado mais resistente que o governo de Nicolás Maduro despertou de milênios de hibernação. Incinerado quando o último diretor do INPE pediu exoneração porque não havia mais nenhuma árvore na Amazônia e o planeta se ferrou de vez, ele fora atingido por uma gota de xixi de um dos astronautas lunares, que ficara muito apertado e fora se aliviar atrás de uma estátua de Netuno.
E aí começou tudo de novo.
Hidratado pelo xixi, roda a roda Jequiti!
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Excelente texto, muito criativo. É impossível ler seus textos uma vez, apenas. É preciso “degustá-los”. A internet e suas redes sociais em duas eras, a de antes e a de depois de Eduardo Affonso ter surgido e a melhor parte, de estarmos no mesmo planeta (rs). Fantástico! (com proparoxítona-rs)
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Obritgado, Manuela! Mas algo me diz que ando vivendo mais no mundo da Lua do que aqui…:-)
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