Foi ontem a entrega do Oscar do pornô brasileiro, promoção de um canal de tevê a cabo cuja equipe de produção é composta majoritariamente por mulheres e do qual também elas são a maioria dos assinantes.
Pensei logo (olha o machismo estrutural aí) que fosse algo mais light, tipo filme erótico cheio de cenas em câmera lenta, com lente esfumada, velas acesas, preliminares intermináveis e clímax com mãos agarrando lençóis de seda e dedos do pé retorcidos em êxtase, enquanto a câmera desliza suavemente para a lareira.
Acho que preciso me atualizar a respeito. Os filmes concorrentes tinham títulos como “Loira voraz 2”, “Amarradas e dominadas”, “Violadas ao extremo” e “Elisa, campeã anal”.
Nada mais distante daqueles tempos em que ainda existiam pelos pubianos, e tínhamos carteirinha de estudante falsificada para assistir “Aluga-se moças”, “Histórias que nossas babás não contavam”, “A superfêmea”, “Nos tempos da vaselina” ou o clássico “Um pistoleiro chamado Papaco”.
Aparentemente, ainda tem gente da velha guarda encarregada de batizar as obras: “Massagem excitante”, “Triângulo sexual”, “Tentação tropical”, “Amor e traição”, “A hóspede desejada”, “Show de vizinha”, “La casa de Raquel” (paródias eram um filão inesgotável), “Boas entradas” (duplos sentidos, idem).
Há, claro, os sinais dos novos tempos (“Start up da louras”, “App”, “Bound up”) e coisas indecifráveis (“Promessa é dívida”, “O que trazes para mim”, “Diga sim para a yoga”).
As categorias são um tanto óbvias: Melhor atriz / ator hétero, atriz / ator revelação hétero / LGBT, melhor atriz trans (melhor ator, não), melhor atriz homo (melhor ator, não), melhor direção, melhor filme hétero (LGBT não), melhor cena de oral / anal / fetiche / ménage / dp / orgia / trans.
Como assim, não há “Melhor cena de sedução de jardineiro / encanador / entregador de pizza”? “Melhor cena de banho de chuveiro com a porta aberta”? “Melhor cena de beibidol”?
“Melhor cena inútil de carro subindo pela rua até estacionar na porta de casa”? “Melhor cena de professora intelectual de óculos, cabelo preso e minissaia, desabotoando a blusa”? “Melhor diálogo daqueles de matar a plateia de vergonha alheia”?
Será que os pornôs de agora ainda têm um fiapo de enredo, ou são só sexo, sem aviso prévio? Seria um avanço, porque não há nada pior que pornô sem história. Exceto pornô com história.
Diz a matéria do G1 que teve discurso contra “a caretice tosca” e a transfobia. Mas, pelo visto, faltou protesto pela inclusão de “Melhor cena não binária genderfluid”, “melhor orgia solossexual” (solossexual é quem só se sente atraído por si mesmo), “melhor ator / atriz sapiossexual” (sapiossexual é quem se sente atraído sexualmente pela inteligência de uma pessoa, independentemente do sexo biológico ou identidade de gênero) e uma categoria para os assexuais (filão atualmente monopolizado pelo feicebuque).
Consta que Elisa Sanches agradeceu de olhos emocionados o prêmio de “Melhor cena de sexo anal”. Imagine se tivesse ganho o de “Melhor cena de voyeurismo”.