Originalmente publicado em 14 de novembro de 2018
Não falo português nem brasileiro – falo mineirês, espichando os sss, comendo as palavras pelas beiradas, roendo-as até deixar só a raiz, só o tutano.
– Cuméquitá o trans?
– Confuz quiçó ceveno.
(Pra que “trânsito”, se “trans” já diz? Por que várias palavras, se pó juntar tudo num trem só?)
O mineirês – não fosse ele invenção de mineiro – é econômico.
Com uma coisa e um trem (que são o mesmo trem, a mesma coisa), a gen dá conta de tudo.
– Já coisou o trem?
– Vô coisá.
E lá vai o mineiro coisando o que tem pra coisar, até o trem ficar do jeitim que tem que ser.
Porque mineirês não é só esse trem de usar trem pra tudo quanto é trem.
Mesmo um tã de trem que não tem como melhorar, o mineiro pega e melhora.
Um bocadinho, que já é menor que um bocado, a gente incói pra um muncadiquim, que ainda é o dobro de um cadiquim de nada.
Mineirês não é só o que se diz, mas como é dito.
A fala vai em ritmo de carro de boi, modulando a voz nas curvas da estradinha de chão que é o jeito mineiro de falar – vogais se fechando como quem poupa fôlego morro acima, os rrr raspando a garganta como quem segura o cabresto morro abaixo.
Mineirês se fala de soslaio, mesmo olhando de frente.
Na maciota, mesmo se o assunto é pedregoso.
Linguistas dirão que tudo se reduz às sílabas tônicas serem mais longas que as átonas, à apócope das vogais curtas, à palatização do D e do T, à aférese do E, ao escambo do E pelo I e do O pelo U, ao esfumaçar do U na última sílaba.
Dito assim, parece fácil, teorema demonstrado.
Só que não bastam os trilhos, a estação, a mala na mão e o adeus para haver uma viagem.
É preciso um trem.
Um trem que não se sabe bem o que seja – a não ser que se fale mineirês.